ENTREVISTA ESPECIAL DE CONCEIÇÃO BALBINO PARA O JORNALISTA JOZAILTO LIMA: “O CÂNCER É UM PROBLEMA DE SAÚDE COLETIVA E DE ECONOMIA”

04/04/2022

Associação dos Amigos da Oncologia – AMO – do Estado de Sergipe. O nome desta instituição de apenas 25 anos na vida sergipana é tão notável quanto o peso, a força e as complexidades dessa doença milenar que ela enfrenta e combate – o câncer.

Mas a AMO também pode responder por outros nomes, reconhecimentos e significados, como os de desprendimento, doação, profissionalismo e o de importar-se com o ser humano numa hora muito difícil. E o faz valendo-se de um voluntarismo sem pieguice e permeado por uma profissionalização acurada do Terceiro Setor em Sergipe.

Em 25 anos de existência, a AMO já deu uma farta demonstração do a que veio, ao acolher um total de 6.357 pessoas entre crianças, adolescentes, adultos e idosos com todos os tipos de cânceres.

“São oriundos de todo o Estado de Sergipe e de cidades próximas da Bahia, de Alagoas e até de Pernambuco”, como exemplifica a sua diretora-presidente Conceição Balbino, uma assistente social de 56 anos que se juntou a religiosos, médicos, enfermeiros e mais profissionais da área dela em novembro de 1996 e fundou, ali mesmo nas entranhas do velho e resistente Hospital de Cirurgia, a AMO.

Depois daquele gesto, a luta contra o câncer no Estado de Sergipe nunca mais foi a mesma – apesar de estar longe de ser vencedora. Além de responder pela Presidência da AMO, cujo cargo executivo é temporário, Conceição Balbino é também presidente de Honra dali, em função consultiva e vitalícia.

As duas atribuições desta assistente social parecem lhe cair sob medida. O olhar dela diante da problemática do câncer é mais do que científico.

O olhar dela é humanitário, humanizado e resolutivo – ou pelo menos (e isso é o máximo) atua em busca de resolução para problemas de pessoas com câncer. E o faz com profissionalismo e dedicação, com práticas e atitudes que convergem para a melhoria do Terceiro Setor.

“A sociedade tem uma ideia muito romântica do voluntário. O voluntário é um trabalhador que é sempre exigido para desempenhar suas atividades. Não existe mais amadorismo. Temos recebido voluntários muito qualificados, trabalhadores técnicos em saúde – odontólogos, psicólogos, nutricionistas, médicos, fisioterapeutas, farmacêuticos, enfermeiros e terapeutas diversos – e também aposentados”, diz ela.

Na verdade, diante da hecatombe que são o câncer e suas consequências, é que não cabe mesmo mais amadorismo. “O câncer é uma mazela individual e coletiva. O câncer é capaz de unir e de dividir pessoas e famílias. É muito triste ver e acompanhar crianças e adolescentes partindo tão cedo, com muito sofrimento, deixando um vazio enorme e imprevisível em seus pais pelo resto de suas vidas”, define Conceição.

“Esse grande problema de saúde coletiva chamado câncer precisa do envolvimento, do compromisso e do investimento do Estado e da colaboração de toda a sociedade civil organizada. Nessa luta, nesse embate, nesse enfrentamento cabem todos – os ricos e os pobres. Nunca caberá é a omissão, porque a vida de todos diz respeito a cada um de nós”, diz ela. Maria da Conceição Balbino dos Santos nasceu no dia 24 de junho de 1965 em Jaguaquara, na Bahia.

Ela é filha de Augusto Balbino dos Santos, já falecido, e de Arminda Portugal dos Santos. Conceição Balbino é casada com o médico radiologista Edison de Oliveira Freire, é mãe do advogado Vinicius Augusto Balbino da Rocha, 34 anos, e avó de Teodoro Balbino, de quatro anos.

Ela fez Serviço Social pela Universidade Federal de Sergipe, com conclusão em 1987, e pela própria UFS tem especialização em Políticas Públicas. Em Políticas Sociais e Direitos Sociais pela Universidade de Brasília e em Auditoria em Serviços de Saúde pela Universidade de Ribeiro Preto, em São Paulo.

Conceição Balbino iniciou a carreira profissional como assistente social no Serviço Social do Hospital de Cirurgia, onde foi coordenadora da Oncologia e do grupo de Humanização.

Além de suas obrigações na AMO, Conceição Balbino é servidora pública de carreira da Prefeitura de Aracaju e desempenha função técnica em diversos protocolos relacionados à saúde do trabalhador pelo Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador, na Secretaria Municipal da Saúde.

O câncer traz estigma, preconceito, medo, dúvidas, incertezas. Adoece o paciente e desestabiliza a família. O cuidador adoece junto, a família adoece junto. A comunidade se fragiliza. E, quando a pobreza e a miséria se juntam a essa doença, a situação só piora”, constata Conceição Balbino.

 

A Entrevista com ela está cheia de boas informações e merece ser lida.

JLPolítica – Qual é a maior lição impressa pela AMO nestes 26 anos a serem completados em novembro próximo?
Conceição Balbino – A maior lição é a de que a vida é maior que as dificuldades, que os desafios de ontem se transformaram em grandes realizações e que a assistência social a pessoas com câncer vai muito além, mas muito além, da oferta da cesta básica, da refeição, do medicamento, do suplemento, do leito, dos preconceitos, das barreiras. A vida da AMO tem contribuído muito significativamente para esperança das pessoas com câncer que receberam sua assistência. Essa é a maior lição impressa. O legado é que todo ser humano, independentemente da sua idade, tem que ser apoiado na sua vontade de viver dignamente, mesmo após ser diagnosticado com câncer. O diagnóstico de câncer não é uma sentença de morte e o tempo vem mostrando isso.

JLPolítica – A ONG tem tido dificuldade em cumprir seus objetivos e itinerários?
CB – Hoje, a dificuldade central se esbarra na sustentabilidade. Vivemos e sobrevivemos de doações da sociedade, de pessoas físicas e jurídicas. E justamente por dependermos de doações, não conseguimos estabelecer, ao longo de todos esses anos, uma previsão orçamentária capaz de atender essa demanda crescente de pessoas com câncer. Pessoas sempre em busca da melhor assistência social e à saúde durante seu tratamento. A nossa Associação é porta aberta, e isso significa dizer que toda pessoa que aqui chega vai encontrar a assistência de que necessita. Essa é, sem dúvida, o maior desafio diário. Matematicamente, as doações chegam em progressão aritmética e as nossas necessidades crescem em progressão geométrica. Cada necessidade do paciente nos exige uma resposta imediata e, na maioria das vezes, não dispomos de recursos para transpor essa barreira imposta ao paciente. Exemplo disso é custeio da alimentação para o paciente permanecer na cidade e realizar o seu tratamento sem interrupções, é o custeio do transporte para levá-lo e a seu cuidador para os centros de saúde, do medicamento necessário para controlar os efeitos adversos do tratamento ou para amenizar suas dores. Sempre foi assim. As dificuldades sempre nos foram apresentadas desde o nascedouro. A cada dificuldade apresentada, a gente se movimenta para buscar uma solução. Desde a busca de um espaço para funcionar institucionalmente, cedido pelo médico cardiologista José Teles de Mendonça, então diretor-presidente do Hospital de Cirurgia, dentro do ambulatório do hospital para a realização de nossas primeiras atividades; a primeira linha telefônica doada pela voluntária Lourdes Nascimento, uma de nossas fundadoras e até hoje atuante na instituição; e o nosso primeiro endereço para a sede institucional, também cedido por uma voluntária na época, hoje contratada como assistente social, a também sócio fundadora Sheila Virgínia Lopes.

JLPolítica – Qual foi a primeira dificuldade encontrada pela AMO?
CB – A primeira grande dificuldade encontrada pela Associação, lá nos anos de 1997, foi a aquisição da capela de fluxo laminar – uma exigência do Ministério da Saúde para a manipulação dos quimioterápicos – e que o hospital não dispunha de recursos na época e a AMO, buscando ultrapassar essa dificuldade e colaborar com o Hospital, realizou um desfile de modas pela Barroso Moda, no Iate Clube de Aracaju, no intuito de arrecadar dinheiro suficiente para a compra. Essa era a condição na época para o hospital ter continuidade ao serviço de quimioterapia. De lá para cá, foram muitas as dificuldades. Boa parte delas superadas. E estamos aqui. O resto é história.

JLPolítica – Aliás, em sua bússola existencial, qual é mesmo o principal objetivo da AMO, apesar da obviedade advinda do seu próprio nome?
CB – A obviedade precisa ser revisada para ter um propósito bem definido para nós e para quem caminha ao nosso lado. A AMO tem por finalidade prestar assistência social para pessoas que lutam contra o câncer, contribuindo diretamente para a qualidade de vida das pessoas assistidas. São duas políticas públicas, duas vias fundamentais para a vida das pessoas. Para suas existências: a saúde e a assistência social. Ter um diagnóstico de câncer abala a condição de vida de qualquer pessoa. Imagine o esforço que é lutar pela vida esmagada pela fome, pela falta dos mínimos sociais, pela pobreza, pela miséria, pela violência doméstica, pelo desemprego e a ainda ter que enfrentar, sozinho, um inimigo invisível dentro do seu corpo? Então, é esse o nosso objetivo: dar resposta, apoiar a luta desses irmãos, pra dizer e mostrar que eles não estão sozinhos. Nem eles nem suas famílias. Foi para isso que nos constituímos: para dar respostas concretas! Aproveito essa oportunidade para trazer um olhar histórico. No ano de 1996, o Estado de Sergipe passava por mais uma crise na oncologia pública e no atendimento aos pacientes com câncer, bem semelhante – talvez até pior da que passamos em 2017, 2018 e 2019 – com a interrupção do tratamento de radioterapia com a fila de espera enorme e tecnologia obsoleta.

JLPolítica – E o que aconteceu?
CB – Naquele ano, a Avosos fora convidada para administrar o Serviço de Oncologia do Hospital Governador João Alves. A instituição assistia a crianças e adolescentes que faziam tratamento contra o câncer no Hospital de Cirurgia, mas colaborava apoiando e atendendo algumas necessidades estruturais do Centro de Oncologia. Com a saída da Avosos do Cirurgia, o médico Márcio Botelho, então chefe do Centro de Oncologia do Hospital de Cirurgia, nos abordou perguntando se haviam voluntários interessados em apoiar os pacientes que ficaram fazendo o tratamento contra o câncer ali, mas que não limitassem esse apoio apenas a crianças e adolescentes, e sim também a adultos e idosos, público mais acometido pelo câncer. Eu mesma, como assistente social do serviço, busquei os voluntários de um grupo católico muito atuante dentro do hospital chamado Rainha da Paz. O grupo que atuava nas unidades de internamento infantil aceitou prontamente. Juntamos todos os voluntários com os profissionais de saúde que atuavam no serviço de oncologia e, assim, fundamos a AMO para atender pacientes com câncer de 0 a 100 anos, com a iniciativa e o propósito de 29 sócio fundadores, entre eles os médicos oncologistas, assistentes sociais e psicólogas do hospital e voluntários daquele Rainha da Paz.

JLPolítica – Então a senhora estava entre aquelas pessoas em 1996 quando ela foi fundada?
CB – Sim, em 1996, ano de fundação da AMO, eu estava como assistente social do Hospital de Cirurgia. Neste centro de saúde, fui coordenadora do Serviço de Oncologia, no ambulatório de quimioterapia, junto com o responsável técnico do serviço, o médico Marcio Botelho, e também era a assistente social responsável pelo grupo de voluntários do Hospital. Era eu quem recebia os voluntários e quem assinava os crachás deles. Reunia todos em grupos e designava áreas de internamento para que assumissem as responsabilidades do cuidado. Era interessante, porque todo o voluntariado sempre quis ir para a oncologia e as outras áreas como cardiologia, pediatria, neurologia, queimados ficavam esquecidas. Então, na época, consegui organizar a atuação desses voluntários por essas áreas de internamento, dando plena cobertura a todas. Essa minha aproximação, já em 1993 e 1994, com a organização dos serviços voluntários, me possibilitou um olhar e um vínculo maior com eles, convidando aquele grupo chamado Rainha da Paz para a fundação da AMO juntamente com os profissionais de saúde do Serviço de Oncologia do Hospital e as demais assistentes sociais.

JLPolítica – Certamente a entidade conta com um corpo de doadores fixos. Ele seria composto de quantas pessoas atualmente?
CB – Eu consigo lhe informar em números mais precisos, pelo serviço de telemarketing, que é a nossa principal fonte de captação de recurso, que corresponde atualmente a quase 90% dos recursos arrecadados anualmente. Temos doadores fixos, que contribuem mensalmente com a nossa instituição, e doadores esporádicos, que contribuem ou de forma eventual ou periódica, seja bimestral, trimestral ou semestralmente. No ano de 2021, por exemplo, a Associação contou com 12.673 doadores. Esse número total é variável no decorrer dos meses. Em janeiro e fevereiro deste ano, por exemplo, o número total de doadores pelo telemarketing foi de cerca de 8.200. No ano passado, aqueles 12.673 doadores possibilitaram que a nossa Associação arrecadasse o valor total em dinheiro de R$ 2.634.745,96 para manutenção da nossa missão institucional e para a consecução de nossas finalidades estatutárias e objetivos estratégicos. A média mensal da receita é, portanto, de R$ 219.562,16 e o valor médio da doação em todo o ano é de R$ 207,00 ou de R$ 17,32 por mês de cada doador.

JLPolítica – Há a prefixação de um valor mínimo para se fazer uma colaboração?
CB – Não. Qualquer valor em dinheiro é muito bem-vindo. No entanto, doação através do telemarketing, que possui um custo alto de estruturação, a doação mínima solicitada é de R$ 15. Tem a doação por carnê de contribuição, por boleto bancário, depósito em conta, PIX e doação pelo aplicativo personalizado que não há estipulação mínima. E, aproveitando a oportunidade, quem tiver interesse em realizar alguma doação pode baixar o nosso aplicativo Associação dos Amigos da Oncologia – AMO -através de loja virtual de seu smartphone IOS ou Android e efetuar seu cadastro pessoal para doação em crédito, débito, PIX e boleto. Além disso, pode acessar os dados de nossas contas bancárias, clicando aqui

JLPolítica – Mas a senhora diria que a cultura da doação entre os sergipanos estaria sob um bom padrão ou passiva de melhora?
CB – Diria que é passiva de muita melhora. Para que tivéssemos uma captação satisfatória a fim de assegurar a qualidade e ampliação dos serviços e benefícios, teríamos que ter 100% a mais do que é arrecadado. As pessoas doam muito pouco em dinheiro. Não entendem ou não reconhecem muito bem os serviços oferecidos em uma entidade filantrópica. Muitas vezes pensam se tratar de mais um órgão público e ficam desconfiadas. Mesmo com todo o apoio, parceria, empenho e responsabilidade socio empresarial de todos os veículos de comunicação social. A cultura de doação no Brasil está aquém da cultura de doação norte-americana e europeia. Os especialistas confirmam isso. O brasileiro é um povo solidário. A pandemia nos mostrou isso. Muitas campanhas nacionais de apoio aos flagelados da seca, às cidades que sofrem com as catástrofes naturais, a igrejas, demonstram essa solidariedade pulsante do nosso povo, mas para as organizações da sociedade civil essa doação é ainda muito tímida. Temos muito que avançar na doação em dinheiro e material. Por exemplo, como entender um doador que não tem o mínimo de respeito para com quem vai receber a doação? O que doa o que não serve para sua casa e descarta nas instituições sociais para limpeza do seu domicílio? Hoje, aqui, não temos nem espaço para guardar esse tipo de doação nem possibilidade para vender. Isso é uma coisa que muito nos entristece ao receber produtos sujos, rasgados. As pessoas precisam entender que doar é ofertar aquilo o que tem qualidade. O que quero me livrar, eu vou dar para uma instituição? Essa é a pergunta que sempre faço. Hoje, recebemos muitas críticas por termos um prédio e pensar em outra casa. Eu, como doadora, fico muito feliz quando vejo uma organização crescendo e se desenvolvendo.

JLPolítica – Esses crescer e se desenvolver podem se traduzir no que?
CB – Numa resposta boa. Uma resposta de que os recursos doados estão sendo muito bem aplicados. O recado que sempre dou é o de que o doador deve se preocupar quando realiza doação para uma instituição e não vê aquele dinheiro doado sendo muito bem aplicado na assistência e no seu desenvolvimento. Acho que o nosso Estado precisa melhorar e transformar muito esse pensamento.

JLPolítica – Qual é o custo anual, ou mensal, da entidade?
CB – Como ainda vamos apresentar e aprovar, em assembleia para os voluntários, as demonstrações contábeis do exercício social de 2021 neste mês de abril, só poderei apresentar aqui o custo e despesas do último ano mais recente, que é o de 2020. A Associação teve um custo total com despesas no ano de 2020 no valor de R$ 3.091.279,49 e um valor médio mensal de R$ 257.606,62.
Aquele total de despesas no ano de 2020 exclui a receita bruta de serviços voluntários e a isenção tributária. Tudo isso pode ser visualizado e conferido detalhadamente no Demonstrativo de Resultados de Exercício e também na nota 10, das Notas Explicativas, disponíveis no menu Transparência do Site Institucional. Só a título de ilustração, a Associação assistiu integral e parcialmente 1.214 pessoas com câncer no ano de 2020 e o custo médio de um paciente nesse ano foi de R$ 2.546,49. É importante destacar também a aplicação de R$ 1.003.144,72 em benefícios diretos para os pacientes com câncer, a exemplo de medicamentos, suplementos, alimentos e refeições, cestas básicas, fraldas descartáveis, materiais de cuidado hospitalar, exames particulares etc. E os dois milhões restantes de despesas foram aplicados em serviços – assistência social, enfermagem, nutrição, psicologia, fisioterapia, educação física, odontologia, navegação de pacientes, transporte social -, casa de apoio e atividades meio.

JLPolítica – O setor público responde com que percentual disso?
CB – Mesmo com a assistência em serviços e benefícios oferecida pela AMO sendo 100% gratuita, em atendimento ao Decreto nº 8.242, de 23 de maio de 2014, que dispõe sobre a Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social, a nossa instituição muito pouco recebe do poder público. Em 2020, por exemplo, a AMO executou o valor total de R$ 107.755,14 em projetos sociais oriundos do Fundo Municipal de Assistência Social do Município de Aracaju, recursos advindos de emendas parlamentares do ex-senador Valadares e do ex-deputado federal Valadares Filho, que somaram R$ 300 mil. Aquele valor de pouco mais de R$ 100 mil correspondem a apenas 3% da receita total R$ 3.040.277,09 arrecadada no ano. Além desse recursos públicos frutos de emendas parlamentares e de fundo de assistência social, a Associação recebe doações em materiais apreendidos pela Receita Federal e em dinheiro por meio de sorteio da Nota da Gente, quando sorteada, uma vez por ano.

JLPolítica – Há um doador, ou doadora, que mantenha a doação desde lá de 1996?
CB – Há sim, e muitos. Eu, inclusive, sou uma delas. Do grupo sócio-fundador, composto por 29 pessoas, nove ainda estão aqui presentes e atuam como voluntárias. No ano passado celebramos juntas esse feito numa reunião bem íntima para agradecer essa oportunidade. Muitos outros já morreram e outros não continuaram com a missão.

JLPolítica – A pandemia do coronavírus impactou de que modo as ações, os serviços e os objetivos da AMO?
CB – A pandemia impactou muito em todos os sentidos. Os primeiros dias dela, de fechamento de tudo e isolamento total pelo medo do contágio e da morte, foram os mais tensos. Isso motivou muitos pacientes a interromperem tratamentos por conta própria. A nossa Casa de Apoio assistiu a um vazio nunca visto antes. Cerca de 80% dos voluntários, por serem idosos ou possuírem alguma comorbidade, foram imediatamente isolados e proibidos de virem. Precisamos adaptar toda a instituição – da área administrativa, da Casa de Apoio, do refeitório, dos consultórios e da área de captação de recursos de acordo com todas as medidas necessárias para combater o risco de contaminação. Todos os nossos projetos e ações coletivas foram cancelados e sem previsão de retorno. O serviço de fisioterapia, que tem como cuidado o toque, foi também interrompido. Todos os projetos com contato direto com o paciente também tiveram suas atividades interrompidas. Visitas hospitalares e domiciliares aos pacientes mais debilitados foram canceladas. Acompanhamos também muitas cirurgias de pacientes sendo canceladas até se garantir o momento mais apropriado para se reduzir o risco da contaminação. Logo em seguida, as Sociedades Brasileiras de Oncologia Clínica, de Radioterapia e de Cirurgia Oncológica começaram a se manifestar em favor da não interrupção do tratamento do câncer mesmo em tempo de pandemia. Apoiamos essas instituições e os pacientes foram encontrando, junto com a gente, as medidas mais necessárias do distanciamento social, do uso de máscaras e da higienização como meios eficazes para se combater a Covid-19. Na própria Diretoria Executiva, éramos seis e apenas três puderam ficar na ativa – duas foram afastadas por recomendação médica sanitária e outra ficou em home office. Na organização, apenas cinco voluntários ficaram em ações igualmente importantes para que continuássemos de portas abertas, juntamente com a maioria dos trabalhadores remunerados garantindo a continuidade da assistência. Destaco – me emociono – e sempre agradeço cada trabalhador da AMO que apoiou a decisão que tivemos de ficar de portas abertas, enquanto serviço essencial, reafirmando-nos como uma organização de utilidade pública. A palavra foi resiliência, pois havia uma guerra declarada contra o coronavírus e todos nós nos sentíamos alistado à força de defesa da vida. Das nossas vidas, de nossas famílias e dos nossos irmãos que lutam contra o câncer.

JLPolítica – A noção de finitude, que parece guiar quem lida com o câncer, deve ter ficado bem mais tênue nesta hora?
CB – A finitude sempre paira em nossas cabeças como uma navalha, mas nos dois últimos anos ela se potencializou. A busca pela legalidade não excluiu a legislação sanitária e, de pronto, começamos algumas adequações internas, de conduta, de ambiente para higienização, uso de máscaras, várias voluntárias artesãs se somaram à produção de máscaras de tecido que doamos junto às cestas básicas, medicamentos e outros benefícios, como a incessante orientação ao uso das máscaras, distanciamento e doadores. Buscamos instrumentos de mídia para diminuir o isolamento social e continuar o vínculo com alguns usuários e cuidadores que recebiam mensalmente a equipe de profissionais em seu domicílio. A adequação da Sala de Espera, da Recepção, do Refeitório que teve sua capacidade reduzida em 50%, antes eram 40 assentos e com a instalação de barreira de acrílico passou para 20 assentos. O Projeto Pão Nosso, existente há mais de 20 anos ininterruptos no Ambulatório de Oncologia do Hospital de Cirurgia, que tinha a oferta diretamente pelos voluntários com um farto café da manhã, viu toda a equipe ser afastada e passamos a contar com a colaboração da equipe da Casa de Apoio com duas funcionárias e uma voluntária mais jovem a se revezarem até hoje nessa tarefa de segunda à sexta feira. Então, tudo mudou bastante com a pandemia. Quadros de miséria, que eram mais presentes no início da nossa história, voltaram à cena com a pandemia – mais pessoas desempregadas e buscando benefícios assistenciais básicos, como o alimento. As doações através do telemarketing foram impactadas, alguns doadores optaram por fazer sua doação através de outras modalidades e também os doadores fidelizados continuaram a doação, mas muitos reduziram pela própria crise econômica mundial. Todos os setores foram significativamente impactados, mas saímos fortalecidos em nosso propósito, voluntários em isolamento social passaram a doar mais financeiramente com o intuito de suprir algumas atividades de captação de recursos suspensas, como o bazar e o brechó. Por recomendação da Promotoria do Terceiro Setor, tivemos até que adiar eleição da gestão em 2020 e prorrogar o mandato em mais um ano.

JLPolítica – Na gestão da AMO em si, tem a participação de quantos voluntários?
CB – Sim, a gestão administrativa é voluntária, conforme o artigo 31 do Estatuto Social dela. Nenhum membro da Diretoria Executiva recebe para o exercício do cargo. Nem da Diretoria Executiva e nem do Conselho Fiscal e Científico. Atualmente, a Diretoria Executiva é o órgão responsável pela administração da organização, tem mandato de quatro anos e é composta por quatro membros, todos voluntários: diretor(a)-presidente; diretor(a)-tesoureiro(a); diretor(a)-administrativo e diretor(a)-secretário(a). O Conselho Fiscal é o órgão de fiscalização e é composto por oito membros, todos voluntários, sendo quatro titulares e quatro suplentes. Há também um Conselho Científico, de caráter consultivo e de assessoramento, composto por oito membros voluntários, sendo quatro titulares e quatro suplentes. São, portanto, 20 dos 107 voluntários. Ou seja, um percentual de 18% do total do voluntariado na equipe de gestão.

JLPolítica – Mas a AMO ainda gera empregos formais. São muitos?
CB – Sim, seria inviável desenvolver e manter um organização deste porte, com essa finalidade, somente com o trabalho voluntário. O voluntário sozinho não daria conta de realizar tudo o que é necessário para esta instituição funcionar. Atualmente temos 47 postos de trabalho remunerados, todos com carteira assinada, nos termos da CLT. Eles desempenham suas funções em áreas estratégicas, a exemplo do assistencial com a equipe técnica composta por assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos. Há uma equipe administrativa composta por assistentes administrativos, jovens aprendizes, recepcionista, motoristas e outra equipe da Casa de Apoio com cozinheira, administrativo, supervisora e serviços gerais, além, é claro, do serviço de telemarketing, que tem o maior número de trabalhadores remunerados.

JLPolítica – Quantas pessoas em média chegam a ser atendidas anualmente?
CB – A AMO conta hoje com 4.200 pacientes com câncer em cadastro ativo – com vínculo institucional. Ao longo desses 25 anos de existência, a Associação já acolheu um total de 6.357 pessoas com câncer entre crianças, adolescentes, adultos e idosos com todos os tipos de câncer. São oriundos de todo o Estado de Sergipe e de cidades próximas da Bahia, de Alagoas e até de Pernambuco. Daquele total de 4.200, 1.298 receberam assistência integral ou parcial entre o início de janeiro e o final de dezembro do ano de 2021. Entre os 1.298 pacientes com câncer assistidos em 2021, 566 são de novos pacientes com câncer, o que corresponde a 43% do total, em contraponto aos 732 pacientes de anos anteriores, com percentual corresponde a 57% do total. Como a sua pergunta está centrada no número de pessoas atendidas, o total de assistidos ou de pessoas beneficiadas sempre será o dobro do número de pacientes com câncer assistidos no referido ano. Se a Associação beneficiou 1.298 pacientes com câncer e seus acompanhantes – para cada paciente assistido, um acompanhante -, o total de pessoas atendidas foi de 2.596.

JLPolítica – Há uma limitação de idade para as pessoas atendidas pela AMO?
CB – Não há limite de idade. Isso está bem definido em nosso Estatuto Social. Se tiver câncer, se se encontrar em situação de vulnerabilidade social, for SUS dependente, não importa a idade, de 0 a 100 anos, poderá ser assistido e beneficiado por nossa instituição.

JLPolítica – No geral, saindo do terceiro setor, como estaria o enfrentamento ao tratamento do câncer em Sergipe?
CB – Penso que em processo de reorganização e de expansão, ainda temos dificuldades estruturais do próprio Sistema Único de Saúde pela sua dimensão. O Hospital de Cirurgia, nossa casa de origem, vem se reorganizando e se reestruturando tanto física quanto tecnicamente. A inauguração do Serviço de Oncologia do Hospital Universitário em janeiro do ano passado vem dar um suporte muito importante para essa demanda crescente que sobrecarregava o Cirurgia e o Huse. Há um novo desenho para a atenção oncológica no Estado de Sergipe que se amplia também com a chegada do Hospital do Amor. Já não temos mais pacientes saindo do Estado para fazer tratamento de Radioterapia nos Estados vizinhos. A nossa visão é a de que todo esse crescimento na oferta de atendimento ao paciente com câncer terá impacto direto nas organizações do Terceiro Setor que trabalham nessa assistência. Ressalto que estamos discutindo uma política do Estado brasileiro, que é a seguridade e seu tripé: Saúde, Assistência e Previdência Social. Olhando para trás, constatamos que houve melhoria sim, mas ainda há de melhorar na prevenção, detecção, tratamento, acompanhamento, reabilitação, cuidados paliativos e na assistência a pacientes classificados como metastáticos. A evolução na oncologia vem com o acesso a tecnologias disponíveis e com o cuidado humanizado que devem andar juntos.

JLPolítica – Na sua visão de assistente social, o que é mesmo o câncer para a senhora?
CB – A definição de câncer é de uma doença provocada pelo crescimento desordenado e acelerado das células que pode atingir tecidos, órgãos ou sistemas do nosso organismo, com causa multifatorial, desde condições genéticas e embrionárias ou relacionadas a estilos de vida, de trabalho, de consumo e do meio ambiente, podendo ser do tipo sólido – carcinomas, adenocarcinomas etc – ou líquido – os hematológicos, como as leucemias, linfomas.
Saindo dessa definição científica e adentrando na visão da minha técnica profissional, de assistente social, o câncer é uma mazela. É uma mazela individual e coletiva. O câncer é capaz de unir e de dividir pessoas e famílias. Na minha jornada, já me deparei com amizades sendo desfeitas, mulheres sendo rejeitadas por seus maridos, filhos abandonando afetivamente seus pais no diante, durante e pós-câncer. É muito doído, doloroso ver crianças órfãs de pais tão jovens sem perspectiva nenhuma de proteção, de futuro. É muito triste ver e acompanhar crianças e adolescentes partindo tão cedo, com muito sofrimento, deixando um vazio enorme e imprevisível em seus pais pelo resto de suas vidas; é muito desolador ver idosos sem brilho no olhar pela dor da doença e pelo abandono de seus familiares.

JLPolítica – O câncer vai além do paciente…
CB – O câncer traz estigma, preconceito, medo, dúvidas, incertezas. Adoece o paciente e desestabiliza a família. O cuidador adoece junto, a família adoece junto. A comunidade se fragiliza. E, quando a pobreza e a miséria se juntam a essa doença, a situação só piora. É um problema de saúde coletiva e de economia. Vejo muita desigualdade no enfrentamento do câncer, no acesso ao tratamento, na eficácia desse tratamento, na luta pela sobrevivência e pela vida. Um jovem ou um trabalhador acometido pelo câncer mexe não só com ele e com sua família, mas com a comunidade em geral. Com o mercado de trabalho. Com a Previdência, com a economia do país e do Estado. Com o Sistema Único de Saúde. É por isso que o câncer é uma epidemia global. É umas das principais causas de morte antes dos 70 anos e uma das maiores preocupações de governos no mundo todo.

JLPolítica – Certamente o enfrentamento a ele deveria ser algo mais coletivizado?
CB – Sim. Esse grande problema de saúde coletiva chamado câncer precisa do envolvimento, do compromisso e do investimento do Estado e da colaboração de toda a sociedade civil organizada. Nessa luta, nesse embate, nesse enfrentamento cabem todos – os ricos e pobres. Nunca caberá é a omissão, porque a vida de todos diz respeito a cada um de nós.

JLPolítica – A assistência social à pessoa com câncer é boa em Sergipe, ou deixa a desejar?
CB – É boa, mas ainda tem muito para melhorar. Constato esse fato com o número de pacientes que vem de outras regiões do Brasil. Lamentavelmente, ainda existem regiões cuja realidade é aquém do nosso Estado.

JLPolítica – A senhora acha que a sociedade no geral tem um real conhecimento da relevância do trabalho do voluntário e do terceiro setor?
CB – A sociedade tem uma ideia muito romântica do voluntário. O voluntário é um trabalhador que é sempre exigido para desempenhar suas atividades. Desde a criação da lei do voluntário, em 1998, esse perfil do novo voluntário vem se transformando. Hoje não se faz só o que se quer. Se faz o que a instituição precisa. Não existe mais amadorismo. Temos recebido voluntários muito qualificados, trabalhadores técnicos em saúde – odontólogos, psicólogos, nutricionistas – e também aposentados.

JLPolítica – O voluntarismo exigiu qualificação?
CB – Sim. O romantismo do voluntário bonzinho não serve mais. Bondade se aprende. Ela não pode ser isolada da pessoa. O bem precisa ser bem feito, não pode ser feito de qualquer jeito. Todo mundo aprende. Todo dia a gente aprende. Voluntário tem que ter compromisso. Não pode exercer seu trabalho de qualquer jeito, em qualquer hora, quando bem quiser. No que se refere especificamente ao Terceiro Setor, não acho que a sociedade o conheça.

JLPolítica – Faltaria mais visceralidade da sociedade perante a ação do Terceiro Setor?

CB – Sim. Acredito que precisamos valorizar mais o Terceiro Setor, que é o privado fazendo o que é de obrigação pública. A sociedade admira e apoia eventualmente, mas ela não valida esse reconhecimento em resposta em dinheiro, em investimento para a sustentabilidade e a política que a instituição defende. Eu vejo e presencio muito isso.

JLPolítica – A AMO consegue um bom índice de transparência e de publicidade a propósito dos valores arrecadados?
CB –Sempre buscamos a transparência e a publicidade na boa administração dos recursos. Na AMO não existe “caixa preta”, tudo é apresentado, mostrado, para não suscitar dúvidas, muito menos desconfianças. Todos os públicos diretamente envolvidos com a nossa instituição podem ter acesso a informações necessárias e conhecer de perto a aplicação dos recursos obtidos. Dos gestores e conselheiros aos voluntários de projetos assistenciais e da Casa de Apoio, dos funcionários aos fornecedores e prestadores de serviços, dos pacientes aos doadores, dos parceiros à imprensa, dos representantes públicos aos órgãos governamentais e de fiscalização, todos podem ter acesso a informações, seja presencialmente ou pelo nosso site institucional. Isso é transparência. E, para sermos transparentes, também precisamos nos profissionalizar e amadurecer. Uma caminhada foi percorrida nesses 25 anos. De um lado, uma assessoria contábil externa contribui com o papel e a obrigação legal de elaborar as demonstrações contábeis de acordo com as Normas Brasileiras de Contabilidade. Do outro lado, uma assessoria de comunicação própria é capaz de tornar público, através do site e de outras divulgações, todo o recurso obtido e muito bem aplicado.

JLPolítica – A AMO não está sozinha no segmento do terceiro setor na esfera da oncologia em Sergipe. Como é a relação entre ela e as demais entidades dessa mesma área?
CB – A nossa relação com as entidades filantrópicas congêneres sempre foi e sempre será de muito respeito e de defesa conjunta dos interesses dos pacientes e de defesa dos SUS. A ética sempre é o nosso norte para superar desafios e alcançar os objetivos. Nunca ultrapassamos o espaço de ninguém. Cada uma tem o seu propósito e a missão a seguir. O sol brilha para todos. Com a Avosos, por exemplo, que chegou antes de nós, já realizamos algumas parcerias, inclusive para beneficiar os nossos assistidos com a liberação de exames de alto custo. Além disso, a Avosos nos beneficiou enormemente com a doação do piso na fase de construção da nossa sede própria. A Avosos, que foi fundada por Maria Ruth Wynne, ou simplesmente Tia Ruth, grande mulher já homenageada em público pela AMO, que sempre participava de nosso eventos, com quem pude construir uma amizade e por quem nutro até hoje profunda admiração por toda sua obra deixada. Mas cada uma luta por sua sobrevivência e enaltece a sua história. Temos muito trabalho para executar. As pessoas não fazem ideia. Onde tem trabalho, não há tempo para divisão ou contendas.

JLPolítica – Se tivesse de recomeçar, a senhora faria tudo de novo como tem feito até agora?
CB – Se tivesse de recomeçar, começaria tudo outra vez. Impossível não lembrar de Gonzaguinha com a reflexão do que “Começaria tudo outra vez/ Se preciso fosse, meu amor/ A chama em meu peito/ Ainda queima, saiba/ Nada foi em vão”. É bem verdade, nada disso até aqui foi em vão. Mas, nessa estrada, peço desculpas pelos nãos e pelos erros. Muitas vezes machucamos e somos machucados também. Assim, trago para minha vida uma frase atribuída ao iluminado Francisco Cândido Xavier, que é a de que “ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo, mas é possível começar de novo e fazer um novo fim”. Por isso, acredito em novas oportunidades a cada novo dia para correções e melhorias. No passado, fizemos o que nos foi permitido – e no presente, com mais conhecimento, fé e qualidade, continuamos unidos para novas conquistas.

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* Entrevista concedida para o jornalista Jozaílto Lima e publicada em 03 de abril de 2022 no Portal JL Política.

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